Sub-representatividade e apagamento identitário negro no BBB.
Felipe Oliveira | Analista de Relacionamento
Logo na primeira linha desse texto, é importante afirmar: tudo o que escrevo é com conhecimento de causa! Nada de achismos, nada de confabulações. Redijo estas palavras com as impressões de quem esteve lá dentro, há 13 anos, por 7 semanas integrais!
Digo a todos que participar de um Big Brother é uma experiência única de vida! Até 2021, 308 participantes já competiram na disputa pelo prêmio nas 20 edições anteriores, sendo que a atual incluirá mais 20 nomes neste panteão de ex-BBBs. Se considerarmos a população brasileira em 210 milhões de pessoas, são aproximadamente 0,00016% da população que tiveram a oportunidade de estar dentro da casa mais vigiada do Brasil!
E não apenas a longevidade do programa é o que chama a atenção (uma das edições nacionais mais duradouras dos países onde é exibido), mas o caráter que o cerca que se transformou ao longo do tempo.
Se inicialmente o programa era tratado somente como entretenimento (o que de fato é sua principal função artística) até mesmo carregando uma aura de produção com baixa qualidade intelectual, atualmente o programa tornou-se uma grande plataforma para publicização de temas como feminismo, liberdade sexual, homofobia, padrões de estética, violência sexual e racismo. Será sobre este ponto a nossa análise central.
O programa sempre buscou, segundo a própria TV Globo, retratar nos seus elencos a diversidade de pessoas e personalidades que povoam o nosso país. Mas um ponto em questão sempre chamou a atenção: a (pouca) presença negra em seus elencos. Vamos ver só? Entre as 20 edições anteriores (que somam 308 candidatos), encontramos a presença de 48 pessoas negras (Segundo participantes listados no site gshow.com/bbb), exatamente 15% dos participantes e uma média de 2,4 participantes por edição, com destaques para as edições 7, 8, 9, 12, 13 e 14, com apenas 1 representante (que conta com 15 participantes na sua média histórica). Este número é difícil de ser comprovado matematicamente, pois questões polêmicas como colorismo afetam como cada pessoa se autodefine e como as reconhecemos racialmente. Sempre é bom lembrar que o Brasil apresenta 56% da sua população como negra, o que mostra a sub-representatividade exposta na escolha dos elencos.
Soma-se a sub-representativade numérica o total apagamento da identidade individual dos participantes negros ao longo das edições. Historicamente (e novamente reforço, vivi isso na pele) os participantes negros eram lembrados/rotulados como “o negão” da edição X, o que subtraia qualquer traço de personalidade destas pessoas. Quando levantei este ponto em minhas entrevistas pós programa, houve polêmicas a respeito, como se meu posicionamento estivesse negando de alguma forma minha negritude. Ou, dentre estes 48 negros presentes, temos a lembrança nominal de algum participante, com exceção (que confirma a regra) da Juliana Alves, participante da 3ª edição e que logo engatou uma próspera carreira de atriz. Essa generalização, que registra os indivíduos apenas pela sua cor de pele (que os diferenciava dentro da casa dos demais participantes) faz com que dificilmente os participantes fossem lembrados por outras características, como beleza física, intelectualidade, profissões, comportamentos ou personalidades.
O debate racial começou a ter um peso maior a partir da 15ª edição, que contava com 4 participantes (o maior número até então, juntamente com a 5ª edição). Para se ter uma ideia, o debate sobre homossexualidade teve espaço destacado nas 5ª e 10ª edições, o que gerou repercussões em outras granes mídias nacionais. Interessante é ver como zeitgeist da sociedade e os debates “promovidos” no BBB são sinérgicos, pois nos primórdios do programa pudemos ver negros em destaque sem que o debate racial fosse proeminente – foram 2 finalistas negros na 1ª edição e 1 mulher negra campeã já na 4ª edição). Não discutíamos racismo no BBB porque não discutíamos racismo na sociedade, isso há apenas 15 anos.
Desde então, toda edição contou com ao menos 1 participantes “engajado” com a questão racial, o que culminou com o grande embate ocorrido no BBB 19 (Camarote x Gaiola), edição que, mesmo contando com 4 militantes da causa racial, acabou elegendo como campeã uma pessoa com posicionamentos racistas. Parte dessa sensação de “impunidade” ou “injustiça” foi corrigida na edição seguinte, que teve grande destaque para posicionamentos do ator Alexandre Santana (conhecido como Babú) e da médica Thelma Assis, campeã ao final da jornada. Garanto que o que afirmei algumas linhas atrás, sobre a sinergia de debates entre a sociedade e o BBB se aplica perfeitamente aqui, pois durante a exibição do programa o Brasil (e o mundo) estava envolto em um movimento chamado Black Lives Matter, motivado principalmente pela morte de George Floyd nos EUA. Este fenômeno pôde ser sentido em outros realities shows nacionais, como A Fazenda, The Voice e The Voice Kids, todos com campeões negros em suas mais recentes edições.
Na atual edição (2021) a produção selecionou 9 pessoas negras entre os 20 selecionados, 45% dos participantes. Este percentual é 3 vezes maior que a média histórica apresentada até então e quase 4 vezes a média numérica de participantes em uma mesma edição, o que suscitou grandes comemorações nas mídias sociais.
Nesta edição teremos a oportunidade clara de conhecer e relembrar o perfil de personalidade de cada um deles bem definidamente, o que impossibilitará o rótulo de “negro do BBB”. Veremos acadêmicos, psicólogos, economistas, atores e cantores negros, cada qual com os seus posicionamentos, valores, comportamentos, vícios e virtudes! Tenho certeza que o assunto racismo será abordado por eles, mas o mais importante é que eles não precisarão se debruçar SOMENTE neste ponto, pois têm qualificações e vivências para abordarem todos e quaisquer tópicos que quiserem! Tenho certeza que serão lembrados por isso posteriormente.
Por mais que muitos comemorem o “Big Black Brasil”, acredito que este programa nunca mereceu tanto a alcunha de “Brasil” que leva em seu nome. O Brasil real é multicultural! E pela primeira vez em sua história, o BBB retratará com mais fidelidade aos números oficiais de população.