Racismo e Injúria Racial
Entenda os vieses por trás destes crimes
Carla Araújo / Comunicação
Era uma vez uma lei antirracista…
Era uma vez uma lei que foi criada em 1951 pelo jurista Afonso Arinos de Melo Franco, que proibia a discriminação racial no Brasil. A Lei 1390/51 de 3 de julho de 1951 foi a primeira a tratar do preconceito racial mediante punição e condenação de quaisquer práticas de preconceito de raça e cor.
Se analisarmos a linha do tempo histórica, a contar desde a data meramente emblemática do fim da escravidão, veremos que o Brasil levou mais de 60 anos para ter sua 1ª lei antirracista e que punisse crimes relacionados a discriminação racial. Foram exatos 62 anos para constatar o óbvio: de que racismo é crime.
Imagem: Reprodução/Fundação Cultural Palmares
Este grande passo na legislação brasileira retrata aquilo que Afonso Arinos chamava de “etapa da evolução social da época”. Mas será mesmo que essa evolução aconteceu? Até que ponto a sociedade brasileira evoluiu diante de determinadas leis prescritas no código penal?
Os bastidores que a história não conta…
Um fato intrigante e que poucos sabem é que a 1ª lei antirracista brasileira foi criada após uma denúncia de racismo sofrido por uma artista negra norte – americana, que na época estava em turnê no Brasil.
Nos áureos anos 50, a dançarina e coreógrafa americana Katherine Dunham na sua noite de estreia no Teatro Municipal de São Paulo, fez uma denúncia aos repórteres que cobriam o espetáculo e relatou que o gerente do Esplanada, hotel de luxo próximo ao Teatro, se recusou a hospedá-la quando descobriu que se tratava de uma “mulher de cor”. O que o gerente não sabia era que, além de ser especializada em danças de origem africana, Dunham era antropóloga e ativista social nos Estados Unidos. (Fonte: Agência Senado)
Numa época onde o Brasil já vislumbrava o título de ser uma “democracia racial”, o incidente causou desconforto nacional e internacional. Foi a partir daí que surgiu a lei que transformava atitudes racistas em contravenção penal. Ou seja, foi necessário que uma artista internacional sofresse racismo no Brasil, para que o país decidisse então, criar uma lei contra o racismo. Fica a pergunta: o que era feito em relação aos cidadãos brasileiros negros vítimas de preconceito, antes da lei?
Do racismo à injúria racial
O racismo é a pior fatia da herança histórica do país, que há séculos amarga sua própria ingestão e abriu precedentes para outro crime semelhante, que insiste em ser tratado e julgado de forma diferente.
No dia 18 de maio de 2022, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 4566/2021 (PL 4566/2021), mediante parecer do senador Paulo Paim, que equipara a injúria racial ao crime de racismo. O Projeto seguiu para a análise da Câmara dos Deputados.
Pela sua descrição, o crime de injúria racial que atualmente prevê pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa, passa a ter uma pena de 2 a 5 anos de reclusão. Entretanto, a mudança proposta no texto não foi atribuída apenas ao aumento da pena ou a forma como o crime é configurado no boletim de ocorrência.
Legalmente falando, injúria racial e racismo são classificados como crimes diferente. A diferença entre eles é o direcionamento da conduta. Enquanto que na injúria racial a ofensa é direcionada a um indivíduo específico, no crime de racismo, a ofensa é contra uma coletividade, por exemplo, toda uma raça. (Fonte: Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT).
De acordo com a Constituição Federal, o racismo é um crime imprescritível e inafiançável, ou seja, não há prazo para o crime ser investigado e julgado e a pessoa acusada não tem direito a pagar fiança. Esta é uma importante alteração que torna o Projeto de Lei um marco capaz de penalizar todos os tipos de condutas racistas que presenciamos diariamente, em eventos esportivos, artísticos ou culturais, além de espaços públicos ou privados.
“Não se pode mais tratar a questão racial fora de uma agenda pública” (Sílvio de Almeida)
O Projeto original apresentado na Câmara dos Deputados em 2015, somente foi aprovado pelo Plenário da Câmara em novembro de 2021 e desde então segue tramitando entre revisões do Senado, motivo pelo qual encontra-se sob a análise dos deputados federais. O fato do PL levar 6 anos para ser aprovado pela Câmara, denota visivelmente a ausência de celeridade neste processo.
Ao levantar a questão racial tendo na mira o racismo como o pior dos crimes, não se trata mais de algo pontual que ocorre de vez em quando, mas sim uma violência que diariamente salta aos olhos de um sistema doente, arcaico e estruturalmente viciado a praticar o crime de racismo, independentemente do nome ao qual seja atribuído, em qualquer lugar, na luz do dia e em sua maioria, com provas e testemunhas.
A certeza da impunidade e de que nenhuma providência será tomada, é o que reforça atitudes e falas racistas. Seja injúria racial ou racismo, ambos são crimes porém perante a lei, ainda existe uma linha tênue que os diferenciam. É justamente esta linha que precisa ser rompida.
Desde 2021, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o crime de injúria racial afastou o argumento que o definia somente como uma ofensa individual, e passou a ser imprescritível, da mesma maneira que o crime de racismo. Individual ou coletivo, injuriar alguém em relação à raça, cor, etnia expõe e reforça a enorme ferida que é o racismo estrutural.
Para mudar é preciso dar os primeiros passos
Mesmo que o PL venha a ser aprovado pela Câmara dos Deputados, isso não vai significar o fim do racismo, infelizmente. Porém trata-se de um grande avanço para a pauta racial. O Instituto Identidades do Brasil, que tem como alicerce a promoção da igualdade racial,vê o quanto é necessário repudiar atos discriminatórios e garantir por lei que aqueles que cometam crimes dessa natureza sejam punidos.
O ID_BR tem o compromisso em promover a luta antirracista e sabemos que os passos para que consigamos chegar ao fim desta trajetória ainda são muitos. Mesmo assim, seguiremos firmes nesta caminhada contra o racismo no Brasil.
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