É preto ou negro?
Por: Heloise Costa | Analista em Desenvolvimento em Ações afirmativas e Treinamento em Empresas.
Os debates sobre a melhor nomenclatura a ser adotada ocorrem há décadas e, por trás desse questionamento, temos pontos importantes a levantar.
No Brasil, a estrutura de classificação racial se dá por conta das nossas características visíveis. Ou seja, vivemos o que Oracy Nogueira chamou de preconceito de marca… e a cor da pele é uma marca que nos coloca ou retira de lugares, nos atribui estereótipos e estigmas sociais.
Aqui, diferente dos EUA, seguimos esse tipo singular de racismo, uma vez que sofre preconceito não quem tem “gente negra na família”, mas quem é lido fisicamente como negro. Então, num país que criou políticas higienistas e de embranquecimento, como é o nosso caso, quanto mais próximo do branco, melhor; quanto mais distante disso, pior. É só a gente notar como são tratadas pessoas com a pele retinta.
Diante disso, ter a pele escura em uma sociedade que nos classifica racialmente faz com que estejamos sempre relacionados a atributos negativos, e quem quer ser sempre o que não presta?!
A gente vê isso na nossa linguagem, por exemplo: a “lista negra”, a “peste negra”, a “fome negra”… são retratos daquilo que temos construído mentalmente e transbordamos por meio da combinação de palavras. Nenhum discurso é isolado. Ele sempre é ideológico.
Então: é negro ou preto?
Para o IBGE, negros correspondem ao somatório de pretos e pardos. Nesse caso, pretos são considerados os que possuem a pele mais retinta e os pardos os que possuem a pele menos retinta (ou mais clara) Pensando nesse critério, é importante entendermos a responsabilidade que temos quando nos autodeclaramos. Corremos o risco de gerar números falaciosos sobre a nossa classificação de cor e parecer que estamos evoluindo nos indicadores sociais enquanto não estamos efetivamente. Estamos vendo pessoas PRETAS avançando realmente na sociedade? Ou são as pessoas de pele menos retinta quem estão conseguindo ocupar lugares?
Existem os pretos e existem os negros. Da mesma forma que podemos usar a linguagem para continuar oprimindo e estigmatizando, podemos usá-la para libertar. Foi isso que nossos mais velhos, como Abdias do Nascimento, por exemplo, fizeram ao ressignificar o uso da palavra negro, que passou a deixar de ser pejorativo para mostrar o quanto de força pode conter quando usamos o que o opressor faz conosco a nosso favor. Assumir que somos negros e tomar isso a nosso favor é significativo. Assim como você, branco, deixar de falar “moreno”, “mulata”, “pretinho”, “de cor” é necessário. Todos esses termos “diminutivos” refletem um racismo enraizado que precisa acabar.
Eu sou negra (parda, para o IBGE) e, para alguns próximos, sou preta, carinhosamente até. Mas se você é branco e não tem intimidade comigo, reveja se me chamar pela minha raça é cabível. Nesse caso, a nomenclatura que você deve usar é negro.
Não é uma questão de tanto faz e também não podemos ser engessados e pensar que o que vivemos com relação ao racismo no Brasil é idêntico aos outros contextos: aqui a gente inventou maneiras próprias de matar pessoas pretas ou negras apenas olhando para elas. Além disso: conseguimos fazer por muito tempo – e ainda conseguimos – pessoas acreditarem que não ser branco não é importante por aqui. Mas é. E a gente vê isso todos os dias.