Como manter-se protegido? Reflexões acerca da saúde da População Negra
Jacqueline França | Analista de Ações Afirmativas e Treinamento em Empresas
Precisam estar sempre latente em nossas percepções as reflexões em relação ao cuidado com a saúde, seja um olhar para o físico e/ou para o emocional. Efeitos psicossomáticos ocasionados por uma rotina árdua de trabalho e por preocupações que envolvem a manutenção de vida, são pontos de atenção importantes quando nos referimos a saúde, principalmente para a população negra, que tem um histórico discursivo, social e político de negligenciamento de qualidade de vida.
Durante o primeiro painel do Fórum Sim à Igualdade Racial 2020, Vivi Duarte mediou o debate sobre a saúde da população negra realizado entre a médica Andrea M. Gonçalves e o psicólogo Rômulo Mafra. Entre tantos assuntos a serem comentados, os especialistas falaram sobre as formas de autocuidado que pensem a saúde da população negra, que mais do que nunca necessita ser problematizada para que se reinventem e se tornem acessíveis. O presente painel trouxe a complexidade de pensar formas de qualidade de vida, refletindo principalmente o quadro mundial de pandemia COVID-19.
O debate multidisciplinar que essa temática agrega, se faz necessário para uma compreensão mente e corpo, que estão interligados e mutuamente afetados pelos contextos sociais que são atravessados intimamente pelo processo de racialização brasileira. Manter um corpo protegido, passa pelo sistema de privilégio, como salienta a mediadora Vivi Duarte, executiva e empreendedora do Plano Feminino.
As formas de trabalho que levam o corpo negro para as ruas, vem de um histórico de precarização quando falamos de direito e proteção. As sobrecargas, as multitarefas que já adoeciam essa população, potencializaram-se com a pandemia. O impacto na vida das mulheres negras, por exemplo, se mostra alarmante quando pensamos que essas mulheres sustentam toda uma base familiar, numa sociedade racista que não viabiliza para elas formas de trabalho saudáveis. A exaustão das atividades, tanto do seu acúmulo, como das suas frustrações por não conseguir dar conta de tudo, produzem sintomas e efeitos no corpo, no mental e no emocional.
A Dra. Andrea Gonçalves, médica e ginecologista, nos alerta para as doenças relacionadas a imunidade, onde o racismo se torna um fator psicossomático, o que necessita de um olhar ampliado do cuidado dos profissionais de saúde, oferecendo uma compreensão para além da medicação. Características que identifiquem as causas do estresses diário, precisam passar por um diagnóstico que escute as condições de vida das pessoas negras. Criar uma rotina de autocuidado, significa assim, pensar estratégias no dia-a-dia que são possíveis de serem executadas em um contexto vulnerável, que é onde se constitui as vivências da maioria da população negra e que tem as suas mulheres na base da pirâmide social. O ponto chave, como afirma a médica, é o fortalecimento emocional da população negra, já que a autoestima extirpada pelo racismo naturalizou a dor e a desatenção com esses corpos.
Pensando mais ainda em como manter uma saúde mental resguardada, o psicólogo Rômulo Mafra, reflete a partir de um relato de uma diarista negra, sobre as consequências da sobrecarga emocional dessa população e os pontos de fugas que precisam ser criados, dentro das próprias jornadas de trabalho. Criar pausas e espaços para se reconectar consigo são formas de se colocar no mundo de maneira sã, entendendo a dinâmica perversa do racismo no cotidiano, esse olhar para si se torna um ato de resistência. O cuidado integrado perpassa a necessidade de um trabalho individual, que pode começar em um processo terapêutico, e os seus benefícios ressignificam todos os outros espaços coletivos por onde a pessoa negra transita.
Assim, é perceptível que ter acesso a informação de cuidado com a saúde, aprender a gerir o próprio tempo, manejar as dinâmicas adoecedoras que o trabalho pode desencadear, saber pedir ajudar e a dizer “não”, são algumas práticas possíveis e que podem melhorar a qualidade de vida. Impor limites é uma maneira de manter os corpos negros, atravessados pela violência do racismo, integrados, pois, como bem questiona a Dra. Andrea, pensando as facetas da empregabilidade, “se a pessoa não tem saúde como é que ela procura emprego?”.